Algumas digressões sobre a compreensão de linguagem e escuta em Heidegger e sua ressonância na prática clínica
Para Heidegger, a linguagem não é meramente um instrumento de comunicação, ela é a “morada do ser”: do ser assim compreendido desde o seu mais radical silêncio. Silêncio que não se confunde com a ausência de fala, traduzindo-se na própria inesgotabilidade do sentido, ou seja, do que permanece não dito em todo seu dizer.
A tarefa que se impõe para nós, neste curso, é a de tentar pensar em que medida a linguagem pode ser este lugar de acolhimento do ser - de proximidade do silêncio.
É importante destacarmos, que, para estabelecer morada e ter guarida na linguagem - para ser um logos - o ser precisa ressoar na escuta humana (homologeîn). Esta escuta traduz o modo como o humano se abre em acolhimento aos desdobramentos do ser - acolhendo a cada vez esta ausência própria do que nunca se manifesta por inteiro. A escuta seria, nesse sentido, o modo do humano “ser no mundo” desde a dinâmica pela qual todo obrar, pensar e dizer podem provir, ou seja, como uma presença, um vir à fala no acolhimento da proximidade do que permanece não dito. Proximidade que se desdobra em silêncio, já sempre vasta, abundante, desmedida. E que, portanto, não se esgota em nenhuma palavra, medida ou sentido - não podendo ser calculada pela razão. A linguagem, nesta proximidade do silêncio, nos remete a uma linguagem originária, em que o dizer está atravessado pelo não dito, ou seja, por uma abertura que, a cada vez, possibilita o começo de novos sentidos.
Pois bem, se o ser sempre se encobre em toda tentativa de apreendê-lo racionalmente, como o humano pode se abrir a sua escuta? O que significa escutar? Partimos da compreensão de que este redimensionamento do sentido da linguagem, em Heidegger, como “morada do ser” nos conduz a um caminho que vai da distinção entre fala e silêncio, própria da linguagem racional - que a todo custo se esquiva ao silêncio; ao caminho sem caminho da pura indistinção, o caminho de volta para dentro da vida vivida. A partir desta compreensão, surge a pergunta: Onde a linguagem se diz indistintamente? Para Heidegger, a linguagem se diz radicalmente, indistintamente na escuta: como um obrar, um fazer, um vir a ser. A escuta é este caminho de um “outro lado”, de um outro olhar, de um outro “tônus” do próprio dizer: do dizer na proximidade do silêncio.
Nosso objetivo é tentar pensar nas ressonâncias e desdobramentos que esta outra tonalidade de linguagem e escuta pode trazer para a experiência clínica. Pois quando nos dispomos a escutar o outro, quando somos tomados pelo que o outro diz, nos abrimos a outras tonalidades do olhar que estavam encobertas antes da escuta. A escuta nos permite acolher o outro em nós, permite que acolhamos os medos e angústias do outro nos nossos medos e angústias. Como se o outro se impusesse a nós, sem que possamos deixar de sermos afetados por aquilo que nele é também uma possibilidade nossa. Esta escuta e acolhimento do outro como um outro de nós mesmos, por um instante, com o outro indistintamente nos funde, nos confunde - desfazendo a distância que separa o eu (sujeito que representa) do outro (objeto representado). Este instante indistinto experimentado na escuta é ele mesmo inexprimível na sua totalidade. Ainda que possa ser expresso em palavras e conceitos, permanece sempre não dito, incapturável, inexprimível. É inexprimível porque não pode ser comunicado - transmitido através de conceitos e representações. Trata-se da experiência de sermos tomados (pathos), o que se revela na própria experiência da linguagem assim como Heidegger a compreende - experiência esta que nos constitui na nossa relação com os outros, com o mundo e conosco mesmos.
Desenvolvimento da Escuta Clínica
Compreender como a disposição para escutar o outro nos abre a outras tonalidades do olhar
Explorar como ser tomado pelo que o outro diz revela aspectos antes encobertos
Desenvolver a capacidade de acolher o outro em nós mesmos
Acolhimento e Identificação
Aprender a acolher os medos e angústias do outro nos nossos próprios medos e angústias
Compreender como o outro se impõe a nós de forma inevitável
Reconhecer no outro possibilidades que também são nossas
Experiência da Fusão Terapêutica
Explorar a escuta e acolhimento do outro como "um outro de nós mesmos"
Compreender o instante de fusão indistinta com o outro
Analisar como este processo desfaz a distância entre eu (sujeito) e outro (objeto)
Compreensão do Inexprimível
Reconhecer o instante indistinto da escuta como inexprimível em sua totalidade
Compreender que mesmo expresso em palavras, algo permanece sempre não dito
Explorar o caráter incapturável e inexprimível da experiência autêntica
Experiência do Pathos
Compreender a experiência de sermos tomados (pathos) pelo outro
Explorar como esta experiência se revela na linguagem segundo Heidegger
Reconhecer como esta experiência nos constitui em nossas relações: com os outros; com o mundo; conosco mesmos
Aplicação Clínica
Integrar estes conceitos na prática terapêutica
Desenvolver uma nova compreensão da relação terapêutica
Aplicar a perspectiva heideggeriana da linguagem na clínica
O curso é para estudantes e profissionais da saúde e educação que desejam ampliar suas perspectivas de estudo sobre antropologia filosófica, psicologia e psicanálise.
Adriana Andrade de Souza
Possui graduação em filosofia pela Universidade Federal de São João Del-Rei. Possui mestrado e doutorado em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, mística, história e religião